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Menina é barrada no Enem por usar bomba de insulina


A menina do Enem.

Engraçado que eu recebi tantas mensagens me pedindo algum tipo de pronunciamento sobre esse tema que eu realmente fiquei assustada.

Antes de escrever sobre isso eu li TODOS os links que me foram enviados sobre esse caso. Sério, até a minha Tia me mandou uma mensagem sobre isso no whatsapp, amigas de trabalho, pessoas que sabem que eu uso bomba e que viram essa reportagem e se sentiram “ofendidas” indiretamente, meio que como se “tomassem” essa dor da humilhação para elas. Achei bem fofo. De verdade. Me senti extremamente amada por todos e isso é muito legal, pq vc sente que não está sozinha, que tem gente q se preocupa com você. É lindo. SÓ QUE...

Agora senta que lá vem a minha visão da coisa toda.....

Eu uso bomba de insulina como terapia para o diabetes há 12 anos.

Mas essa frase poderia ter sido dita assim, meio que informalmente: “eu tenho uma bomba.” Percebem a diferença das palavras escolhidas?

Há alguns muitos anos atrás, na minha primeira visita aos Estados Unidos, eu nem tinha blog ainda, não acompanhava nada na internet sobre diabetes e fui felizona ver o Mickey na tão sonhada viagem para a Disney. Chegando no aeroporto eu disse “I have a bomb”. Sim, entrando em território americano, em meados de 2011/12, depois do ataque de 11 de setembro, eu simplesmente digo ao segurança do aeroporto que “eu tenho uma bomba”.

Juvenil da minha parte. Não pensei. Não sabia que o nome para bomba de insulina, em inglês, era “pump”. E sem dominar 100% da língua, até provar que focinho de porco não é tomada, fui levada para uma salinha de segurança. Vários testes foram feitos, revistas, raio-x e o circo estava armado. De quem foi o erro? Na minha opinião: das duas partes!

Porram, mesmo que eu dizia “I´m Diabetic. Diabetes. No sugar. Please. Insulin.” Em uma tentativa frustrada de explicar que eu não era uma meliante prestes a explodir o aeroporto todo, parem para pensar: se vc é um segurança que foi treinado para ter medo de terroristas, estrangeiros, bombas, armas e afins, dai vem uma loka simplesmente dizendo calmamente “eu tenho uma bomba”. Velho, na boa, eu faria a mesma coisa que aquele policial fez.

Entendido tudo, eu fui liberada e aprendi que a bomba chama “pump” e não “bomb”. E eu posso te garantir que esse cara tbm aprendeu alguma coisa com isso. Com certeza em uma outra situação parecida ele vai se atentar e tentar perceber se o caso não se trata apenas de uma turista q não domina inglês e não um ataque terrorista.

O que eu quero dizer com isso é: gente, bomba de insulina é algo SUPER NOVO no MUNDO.

Se existem diabéticos, médicos, e muita gente ligada à área da saúde que NUNCA viu esse dispositivo antes, COM CERTEZA UM SEGURANÇA DO ENEM NÃO TEM A MENOR OBRIGAÇÃO DE SABER, CONHECER E TER NOÇÃO DO QUE É ISSO.

Eu sinceramente acho que nada nessa vida pode ser levado a ferro e fogo. E acho tbm que a menina errou em não mencionar no formulário que ela tinha esse dispositivo (Ah, mas ela achou que não precisava. Pois é, se “achar” desse certeza de alguma coisa na vida, “ter certeza” não seria mais necessário para nada).

Também acho que o segurança errou. O Enem errou. Todo mundo errou na porra toda do cenário.... mas gente....fazendo um paralelo idiota aqui: vcs acham mesmo que quando um negro tentava entrar em um local público e era barrado ele simplesmente mandava um post no jornal e tudo se resolvia? OU eles tiveram que lutar, expor, explicar, levantar bandeira (e ainda tem que fazer isso, pq o preconceito não acabou). Quando uma mulher era maltratada e menosprezada por um homem, ou pela indústria ou no emprego, vocês acham que ela simplesmente recorria a um blog pra “lutar pelos seus direitos” e tudo ficava em paz? Gente, na moral, todo mundo tem a sua luta....e não é fácil pra ninguém.

Eu prefiro ver que o fato dessa menina ter sido barrada no Enem faz parte do começo de uma conquista histórica pra nós diabéticos. O fato dos jornais terem tido interesse nessa história dá uma visibilidade monstra para a nossa luta!

Eu queria ter sido barrada nesse Enem, mas nessa entrevista eu teria dito aos jornais “Fui barrada e isso é uma merda, fato. Mas olhem só, esse é um dispositivo novo, muita gente nem sabe para que serve, ou como faz para se ter uma terapia tão avançada como essa. Natural que existam conflitos, erros, problemas e coisas do tipo. Eu quero gritar para o mundo sobre a importância do controle, dizer que o diabetes mata se você não se cuidar, quero que o ENEM coloque na lista de doenças que precisam de atenção especial durante a prova pq adolescentes PODEM E TEM DIABETES, não é só uma doença de velho como todos acham que é. Precisamos comer durante o exame, precisamos ter acesso aos nossos equipamentos durante o exame. Precisamos que as pessoas entendam a importância do tratamento. Acho que o ENEM poderia inclusive dar treinamentos e capacitar os seguranças sobre as mais diversas doenças que existem por aí. Investir em educação reduz absurdamente problemas como esse que eu vivi.”

Isso é o FAMOSO EMPODERAMENTO.

Eu acredito que TUDO na nossa vida pode se transformar em oportunidade. Você pode usar isso para uma oportunidade positiva ou negativa, depende exclusivamente de você.

Se eu tivesse sido barrada no Enem o discurso dado aos jornais seria muito mais voltado a educação em diabetes e a necessidade que estamos vivendo de mudanças no cenário público, e sobre a importância do acesso aos medicamentos que falta aos montes nos postos. Nunca seria sobre a minha filha ter saído sozinha da escola para ir até a casa da tia, como se uma adolescente de 15 anos não soubesse simplesmente o caminho de casa ou o telefone da mãe para ligar e dizer que precisava de ajuda.

Não sou eu quem vai julgar como essa mãe deve educar a filha dela, muito menos como essa menina de 15 anos deve se sentir diante do que ela viveu. Mesmo porque eu acho que a história chega para gente SEMPRE com distorções, versões contrárias, palavras e frases que foram adicionadas e cortadas pelos jornalistas. Eu sempre digo: não acreditem em 100% no que você lê em um jornal, muito menos no que vc lê em uma matéria da internet.

A minha visão da coisa toda é: estamos vivendo um processo onde NÓS somos as pessoas que vão contar para o mundo o que tem acontecido no universo do diabetes.

Somos nós fazendo história, aqui, agora, no Enem, na Internet, num evento de diabetes, na forma como você conta para os seus amigos sobre a sua doença.

A gente tá “preparando” o terreno para as crianças recém-diagnosticadas que, lá na frente, vão chegar para fazer um Enem e vai ter lá o campo ( x ) eu uso bomba de insulina.

É a gente que tá “criando” a informação para os seguranças de um aeroporto que, hoje em dia, já estão se acostumando muito a ver, no dia a dia, pessoas com bomba, sensores, agulhas, canetas... e já não acham tão estranho e tão assustador.

Fazemos parte de uma geração que está escrevendo uma história de mudanças no mundo do diabetes. Mudanças em como viver, cuidar, olhar, contar, explicar, educar.....

O foda disso tudo é que: a responsa tá na nossa mão.

O que vamos falar para as pessoas? Como vamos expor as nossas necessidades? Quais as palavras vamos escolher para contar sobre a nossa luta?

É muita responsabilidade. É preciso parar, se questionar, entender, refletir e só então levantar e partir para a luta.

Somos capazes de conquistar dias melhores, e faremos isso por nós e pela geração dos pequenos. Talvez esse seja o nosso legado hoje.

EMPODERAMENTO BABYS. Não é isso que vocês vivem pedindo na internet?

formulario de necessidades especial do enem - diabetes

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